O nexo causal na responsabilidade médica

27/04/2020 - Defesa Profissional

Autor: Dr Valter Gurfinkel

 

A determinação do nexo causal, elemento obrigatório em todas as ações que envolvem responsabilidade médica, possui dupla função: é tanto elemento de imputação quanto delimitador do valor reparatório.

O nexo causal, ou relação de causalidade, é classicamente definido como o vínculo (liame) que se estabelece entre dois eventos, de modo que necessariamente um represente consequência do outro. Assim, o nexo causal, do ponto de vista técnico, é o vínculo real, indissociável e inequívoco que une um dano, seja em sua esfera patrimonial ou moral, à determinada conduta ilícita (comissiva ou omissiva) do agente requerido.

Portanto, para haver o nexo de causalidade uma determinada conduta deve ser reconhecidamente ilícita (contrária às normas técnicas), e também deve ser a causa direta e inequívoca do dano.

É importante ressaltar que, no Direito brasileiro, a prova do nexo causal se mede em contornos de certeza. Decisões reiteradas dos Tribunais Superiores destacam a necessidade de prova inequívoca, especialmente em se tratando de nexo causal, para fins de imputação de responsabilidade.

A aparente simplicidade da definição de nexo causal contrasta com as inúmeras dificuldades teóricas e práticas que surgem na sua aferição. De fato, a determinação do nexo causal é uma tormentosa tarefa que perdura há décadas. Em que pese a inegável importância do debate em torno das diversas teorias da causalidade, em nenhum momento alcançou-se um consenso significativo sobre a matéria. De fato, nenhuma teoria oferece soluções prontas e acabadas para todos os problemas envolvendo o nexo causal na responsabilidade civil, especialmente na área médica, que apresenta, pela sua própria natureza, reconhecida variabilidade e inexatidão.

 

Breve apresentação das teorias do nexo causal

Observa-se na doutrina jurídica uma variedade de teorias relacionadas à causalidade. A mais antiga é a denominada teoria da equivalência das condições, ou teoria do “conditio sine qua non”. Nesta teoria, qualquer evento capaz de contribuir para a produção do dano deve ser considerado causa do dano para fins de responsabilização. O problema, nesse caso, é o de ampliar ilimitadamente o dever de reparar, imputando-o a uma multiplicidade de agentes e eventos que, apenas remotamente, se relacionam ao dano produzido sobre a vítima, a exemplo de responsabilizar o fabricante de uma bola de futebol que veio a atingir a cabeça de um expectador durante um jogo.

Esta teoria acabou sendo logo abandonada no âmbito da responsabilidade civil, pois, pela falta de restrições à ampla regra do estabelecimento da relação de causa e efeito entre condições necessariamente dependentes umas das outras, embora lógica, frequentemente conduzia a resultados irrazoáveis e aberrantes.

Outro conceito relacionado à causalidade é a teoria da causalidade adequada, onde a causa de um evento consistia naquela mais apta, em tese, à produção daquele resultado. Esta teoria procura, de forma mais coerente, identificar, na presença de mais de uma possível causa, qual delas, independentemente das demais, é potencialmente apta a produzir os efeitos danosos. Assim, uma condição deve ser considerada causa de um dano quando, segundo o curso normal dos eventos, poderia efetivamente produzi-lo, sendo que as demais condições seriam circunstâncias não causais.

Por esta teoria, para se saber se uma eventual causa é ou não capaz de produzir determinado efeito, torna-se imperativo verificar se tal relação de causa e efeito existe sempre em casos daquela espécie, ou se existiu somente naquele caso em especial, por força de circunstâncias específicas. Assim, a responsabilidade veio a ser associada, por parte da doutrina, às noções de previsibilidade e evitabilidade do dano, que justificariam a responsabilização do agente.

Passa-se, nestes casos, a fazer um juízo de probabilidade sobre a conduta do agente que se entende responsável e as consequências verificadas no caso concreto, em comparação com aquilo que habitualmente ocorre em casos semelhantes. Esta teoria também acabou sendo alvo de críticas, pois sempre existirá incerteza inerente a avaliações de normalidade e probabilidade e, na realidade, probabilidade não é certeza e sem certeza não há nexo causal, pois não se conhece a verdade.

Ambas as citadas teorias, a da equivalência das condições e a da causalidade adequada, quando utilizadas isoladamente, não se apresentaram adequadas para uma correta e justa análise de nexo causal na responsabilidade civil, especialmente na área médica, que apresenta, por sua própria natureza, reconhecida variabilidade e incerteza.

Formulou-se, então, uma terceira teoria, denominada de teoria da causalidade eficiente, segundo a qual as condições que concorrem para um determinado resultado não são equivalentes, existindo sempre um antecedente que, em virtude de um intrínseco poder qualitativo ou quantitativo, sobressai-se como verdadeira causa do evento.

Nesta teoria, a ideia acerca da causalidade seria em concreto, observando qual, dentre as diversas e potenciais causas, foi a mais eficiente na determinação do dano. Ainda assim, surgiram inúmeras divergências doutrinárias a seu respeito, especialmente porque se baseia excessivamente no empirismo, podendo restar incerteza no seu resultado, o que impede a fixação do nexo causal.

Observa-se que as três teorias anteriormente citadas sempre foram criticadas em função de suas incertezas e presunções, o que torna extremamente difícil, senão impossível, a fixação do nexo causal.

Surge, então, a teoria da causalidade direta ou imediata, também chamada de teoria da interrupção do nexo causal, pois considera como causa jurídica apenas o evento que se vincula direta e inequivocamente ao dano, sem a interferência de outra condição sucessiva.

Nesta teoria, o evento que se vincula direta e inequivocamente ao dano tem o condão de restringir a relevância do comportamento humano, para fins de responsabilização, aos acontecimentos mais próximos e certos da geração do dano ou prejuízo. Embora também alvo de críticas, esta teoria acabou sendo a mais aceita em nosso sistema jurídico, como se verifica no art. 403 do Código Civil, inclusive na nossa doutrina e jurisprudência, para a definição e fixação do nexo causal.

 

O nexo causal e a incerteza na área médica

Na análise do nexo causal deve-se sempre ter em mente que o organismo humano não é um dispositivo mecânico, em que os processos de funcionamento são, em regra, constantes e previsíveis. Toda atividade médica é regida pela incerteza, variabilidade e imprevisibilidade, características inerentes à própria biologia humana. A possibilidade de um resultado adverso está intrinsecamente presente em toda e qualquer intervenção médica, sendo imprevisível o exato comportamento do organismo do paciente a qualquer tipo de conduta, diagnóstica ou terapêutica.

O médico somente poderá ser responsabilizado quando for inequivocamente comprovado que seu agir grosseiramente violou regra técnica da profissão e tal violação foi causa direta do dano, haja vista que a ciência médica não é exata.

É óbvio que todo e qualquer ato médico, seja para o diagnóstico, tratamento ou determinação do prognóstico, apresenta uma série de riscos inerentes, grande parte deles imprevisíveis e, em regra, inevitáveis, ressaltando-se que, tecnicamente, a imprevisibilidade de um acontecimento está intrinsecamente ligada ao seu modo súbito e inesperado de ocorrer, e a inevitabilidade representa a irresistibilidade própria de cada evento.

A variabilidade e incerteza inerentes à atividade médica são compostas por uma série de fatores que podem fugir de toda a diligência e zelo do profissional, como o comportamento do organismo humano e seus fatores intrínsecos e individuais, associado à apresentação nem sempre padronizada ou esperada da doença, do paciente e do tratamento, e a própria inexatidão da ciência médica.

As condições particulares da apresentação clínica de um paciente em determinado momento, as suas predisposições patológicas e as diferentes e inesperadas respostas orgânicas frente a uma intervenção são obstáculos de difícil, senão impossível, transposição pelos médicos.

Tomando-se como premissa que a medicina não é uma ciência exata, a possibilidade de indefinição diagnóstica e de resultados de procedimentos passam a ser inerentes à própria atividade médica. Algumas circunstâncias específicas podem aumentar significativamente as dificuldades e armadilhas no manejo do paciente, em virtude de certos aspectos típicos da inconsistência das doenças e incertos comportamentos biológicos.

Ademais, a escolha de um determinado procedimento, seja diagnóstico ou terapêutico na prática clínica, pode ser discutível e, muitas vezes, controverso, sem que isto possa ser considerado tecnicamente inadequado, haja vista a autonomia do médico na sua atividade profissional. Em medicina, as condutas adotadas por médicos variam circunstancialmente, dependendo do caso e, muitas vezes, são aplicadas em função da experiência pessoal de cada profissional. Raramente uma determinada condição médica tem uma única conduta preconizada na literatura especializada e na prática.

 

A prova pericial na responsabilidade médica

O termo perícia provém do latim “peritia”, que significa experiência ou conhecimento prático. Trata-se do conhecimento proveniente da experiência. Assim, a perícia significa a pesquisa, o exame, a verificação e a exposição acerca da verdade ou da realidade de certos fatos, geralmente envolvendo matéria de ordem técnica e especializada.

Pode-se definir a perícia, portanto, como um meio especial de produção de prova, na qual a participação de um especialista na área em discussão, o perito, faz-se necessária para o esclarecimento de fatos técnico-científicos. A finalidade da perícia, desta feita, é o de produzir prova, e esta prova não é outra coisa senão o elemento demonstrativo da verdade técnica, de forma clara, objetiva e, principalmente, justificada.

O perito é uma espécie de investigador científico que, através de estudos aprofundados e específicos do caso concreto, emitirá um parecer, denominado de laudo pericial, e que conterá informações que permitirão às partes e à autoridade solicitante esclarecer as questões técnicas em discussão.

A perícia médica, por sua vez, é uma espécie altamente especializada de investigação, que visa esclarecer fatos jurídicos em que aspectos médicos estão envolvidos. A prova pericial poderá ser direta, quando realizada no próprio paciente, ou indireta, quando efetuada apenas em seus documentos médicos e prontuários, o que geralmente ocorre quando o paciente é falecido ou impossibilitado de ser diretamente avaliado.

A prova pericial é a principal em processos de responsabilidade médica, e será decisiva para o deslinde do caso em discussão, vez que, em regra, a autoridade solicitante desta prova não tem conhecimento científico suficiente para uma decisão. Em última análise, o que se procura em tais investigações é saber se o profissional requerido na lide portou-se com conhecimento e habilidades minimamente exigidos aos que exercem a profissão.

Na questão de responsabilidade, é essencial que o perito esclareça se a conduta praticada pelo profissional foi, ou não, reconhecida e aceita pela comunidade médica, considerando-se as circunstâncias do caso concreto, se há um dano e se há um vínculo direto e inequívoco entre o dano e a conduta do profissional.

 

O nexo causal nas perícias médicas

O resultado do trabalho de um perito, expresso no laudo pericial, tem o potencial de influenciar decisivamente a autoridade requisitante na formação de sua convicção, exigindo redobrada atenção na conclusão acerca da relação de causa e efeito entre a conduta e um alegado dano, pois tal relação não pode embasar-se apenas em meras conjecturas, opiniões, deduções ou probabilidades, mas sim em uma indiscutível certeza probatória.

Infelizmente, o instituto do nexo de causalidade tem sido muito frequentemente utilizado em perícias médicas de forma atécnica, equivocada ou incompleta, pois não basta afirmar-se pericialmente que determinada conduta médica tenha contribuído para o desencadeamento ou agravamento de um dano ou patologia, mas comprovar tecnicamente ter sido esta conduta: (a) ilícita (contrária às normas profissionais) e; (b) suficiente e adequada para o resultado adverso, frente às circunstâncias próprias de sua apresentação no caso concreto. Por isso, é fundamental, em perícias, a correta verificação do nexo causal, cuja desconsideração inexoravelmente levará a graves equívocos. Deve-se lembrar que provar é querer, em substância, demonstrar a verdade.

Por vezes torna-se difícil, ou até mesmo impossível, identificar o fato que constitui a verdadeira causa do dano. Tecnicamente, para caracterizar o nexo causal, exige-se um encadeamento entre o fato e o dano que consista na conexão e congruência entre ambos, de modo que a realidade de um conduza logicamente ao conhecimento do outro. Para apreciar a relação de causalidade, o perito deve necessariamente considerar que, para o Direito brasileiro, causa é aquela eficiente ou decisiva que, por suas circunstâncias, inequivocamente determina o dano. Trata-se, portanto, de uma questão de fato a ser investigada em cada caso concreto, e não é suficiente observar a mera superveniência lógico-cronológica.

Ocorre que, diante de uma multiplicidade de causas (o que é muito comum na medicina), é fundamental determinar qual ou quais delas foram relevantes ou suficientes para gerar o resultado. Assim, para que um fato seja considerado causa deve-se verificar se, não ocorrendo tal fato, o resultado também não ocorreria. Ou seja, causa necessária é aquela que explica o dano por não existir outra que explique o mesmo dano.

Quando há uma cadeia de eventos e condições, ou seja, várias circunstâncias concorrendo para o evento danoso, deve-se apontar qual delas é a causa real (ou mais efetiva) do resultado. Em outras palavras, o nexo causal, em perícias médicas, não se restringe na mera análise da ocorrência do dano, mas também na indispensável e ampla interpretação técnico-científica que se faz sobre este.

Reconhece-se, há muito, que o nexo de causalidade natural ou lógico diferencia-se do técnico-jurídico, no sentido de que nem tudo que, no mundo dos fatos ou da razão, é considerado como causa de um evento deve assim ser considerado do ponto de vista pericial.

De fato, o instituto do nexo causal tem conotação muito diferente para o médico e para o jurista, e justamente em função desta diferença o perito deve estar particularmente atento à fixação do nexo causal, pois suas conclusões, mesmo que estritamente lógicas e naturalísticas, terão importantes reflexos jurídicos. Veja-se, por exemplo, uma hipotética conclusão pericial frente a um acidente ocorrido durante um procedimento videolaparoscópico de rotina: “Há nexo causal entre a cirurgia endoscópica abdominal e a perfuração intestinal”.

Neste caso, para qualquer médico, o nexo causal “lógico” existiria porque, como fato natural, o cirurgião utiliza instrumentos cortantes e perfurantes na cirurgia endoscópica e, se não tivesse havido este procedimento abdominal, não teria também ocorrido tal perfuração intestinal, tratando-se este nexo de mera associação entre fatos próximos, no tempo ou no espaço.

Entretanto, vários fatores que não a estrita técnica de realização do procedimento cirúrgico poderia levar a este evento adverso como, por exemplo, a existência prévia de bridas e aderências, e o perito precisa estar atento a estes fatos quando da análise e determinação do nexo causal.

Em relação ao nexo de causalidade, o perito médico, frequentemente, não se aprofunda na análise da conduta do agente propriamente dita ou a existência condições associadas ou excludentes, pois o nexo causal “médico”, lógico e natural, significa tão somente a relação de causa-efeito de certo agente material e a lesão, distúrbio ou doença.

Entretanto, no caso hipotético supracitado, para o operador do direito, como o advogado, promotor ou juiz, a leitura interpretativa desta conclusão pericial poderá ser totalmente diferente, com equivocada imputação de responsabilidade ao cirurgião pelo simples existir do “nexo” determinado pelo médico perito, haja vista que o nexo causal “jurídico”, para fins de responsabilidade, é a confirmação da existência do liame entre conduta do agente e dano, entendendo-se tal situação como o equivalente de nexo de imputação do fato, levando à automática (e equivocada) subsunção do fato à norma.

Dito de outra forma, determinar pericialmente o nexo causal de um evento a um resultado significa implicitamente afirmar que a conduta do agente requerido é a causa do resultado e, mais que isso, que não houve a interferência de qualquer outro processo causal diverso da conduta do agente. Esse comportamento (ou conduta), portanto, deve ser a causa direta e necessária do resultado e, além disso, nenhuma outra causa, estranho a ele, interferiu no dano.

Esta ambiguidade torna-se crítica quando o perito médico, apesar de singelamente concluir pelo nexo causal, enxergando-o de maneira intuitiva e empírica, meramente natural e cronológica, não especifica se as condutas do agente violaram regra técnica da profissão, bem como se foram causas suficientes e necessárias para o alegado dano, ou ainda, se existiram causas concomitantes ou supervenientes aptas a produzir o dano, o que, obviamente, somente o especialista tem condições de esclarecer, e é sempre um dos principais objetos da perícia médica.

A especificação da conduta do agente e sua real relação com o dano é a grande dificuldade nas perícias médicas, especialmente porque o perito, por dever de ofício (arts. 477 e 480, CPC), precisa esclarecer conclusivamente, para que a autoridade possa fazer o seu julgamento de forma correta se, de acordo com a literatura e praxe médica, uma determinada conduta do agente foi determinante (ou não) no agravo à saúde, bem como se outras causas poderiam estar envolvidas. Se é relativamente fácil alcançar consenso com relação a um antecedente que se liga ao dano, muito menos tranquilo é concluir com relação àquilo que antecede direta, necessária e imediatamente ao evento, nas circunstâncias de cada caso concreto.

Assim, do ponto de vista pericial, a conclusão técnica quanto à causalidade não se daria em abstrato, mas em concreto, observando qual, dentre as diversas causas, foi a mais eficiente e que se vincula direta e imediatamente na determinação do dano naquele caso em particular. Portanto, para verificar se existe nexo de causalidade entre uma conduta e um dano, o perito terá de se fazer a seguinte pergunta: a conduta questionada foi ilícita (contrária às normas técnicas) e imprescindível para a ocorrência do dano? Se a resposta for sim, o nexo causal se presumirá entre o dano e aquela conduta. Para confirmar o nexo, o perito deverá agora se indagar: abstraída tal conduta, mesmo que ilícita, o dano poderia ainda ocorrer? Se a reposta aqui for sim (o dano poderia ainda ocorrer), mas em função de outras possíveis causas no caso concreto, então não foi aquela determinada conduta a inequívoca causadora do dano, e o nexo não poderá ser conclusivamente fixado do ponto de vista pericial.

Como perícia é prova técnica para determinação da verdade real (desiderato da jurisdição para evitar cerceamento do direito de defesa por violação do artigo 5º, LV, da Constituição Federal), e sobre os quais a regra jurídica será aplicada, não é permitida discricionariedade do perito na conclusão quanto ao nexo causal, pois o nexo de causalidade, em perícia, não se presume jamais

O nexo de causa e efeito entre uma conduta médica e um dano somente surge se for inequivocamente comprovada uma falha técnica grosseira e potencialmente evitável na execução do procedimento que está sendo questionado. Dito de outra forma, o nexo somente existirá se o dano for consequência necessária e inequívoca de uma conduta ilícita (isto é, contrária às normas técnicas) tomada como causa, sem que qualquer outra esteja envolvida.

É bem conhecido que uma mesma doença, ou dano, pode ter várias causas, e é dever do perito, ao concluir pela existência do nexo causal, também determinar justificadamente se a conduta do agente violou ou não regra técnica da profissão, para adequada ponderação do julgador quanto à eventual culpabilidade. Por óbvio, não se trata de o perito adentrar no mérito de culpa, função esta exclusiva do juiz ou dos órgãos de classe, mas oferecer elementos técnicos suficientes para a correta cognição dos fatos, evitando-se assim interpretações errôneas e imputações injustas.

 

As excludentes do nexo causal na medicina

Sabe-se que o nexo de causalidade pode ser interrompido pela intervenção de fatores estranhos à cadeia causal, desde que aptos a romper o liame de causalidade inicial entre a conduta do agente e o dano. Há várias excludentes do nexo causal, como o fato exclusivo da vítima e o fato de terceiro, mas, na área médica, a mais importante é o caso fortuito e o de força maior. Para a doutrina e jurisprudência brasileira, não há diferença entre ambos.

O parágrafo único do artigo 393 do Código Civil brasileiro determina que “o caso fortuito ou força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Para o STJ, a “fórmula” que define esta condição é: “caso fortuito + força maior= fato/ocorrência imprevisível ou difícil de prever que gera um ou mais efeitos/consequências inevitáveis”. 

Na área clínico-cirúrgica, o caso fortuito ou de força maior existe quando uma determinada conduta médica gera consequências, efeitos imprevisíveis (modo súbito e inesperado de ocorrer), impossíveis ou muito difíceis de evitar ou impedir. O caso fortuito e de força maior na medicina, portanto, representam a inevitabilidade ou a grande dificuldade de impedir ou de resistir ao acontecimento objetivamente considerado tendo em vista as limitações técnicas e humanas, e as circunstâncias no caso concreto. Na medicina, tradicionalmente subjetiva, a simples imprevisibilidade e inevitabilidade de um fenômeno no caso concreto são suficientes para desconfigurar o ilícito e, portanto, o nexo causal.

As fatalidades médicas causadas por fenômenos da natureza, como a dificuldade diagnóstica em função da apresentação sintomatológica atípica de uma doença, a variabilidade e inevitabilidade da resposta individual de qualquer organismo a uma intervenção ou tratamento, bem como as intercorrências inerentes e inevitáveis à própria doença e ao próprio procedimento, devem naturalmente ser enquadradas na hipótese de caso fortuito ou de força maior, que excluem o nexo causal por constituírem causa estranha à conduta previamente estimada do médico. Para o STJ, demonstrado o caso fortuito ou de força maior, afasta-se a responsabilidade e, consequentemente, o dever de indenizar na medida em que se elimina o nexo causal entre o dano e o serviço desempenhado pelo médico. 

De qualquer forma, exigindo-se ou não a previsibilidade do resultado mais grave, atribuí-lo ao profissional médico quando existe uma condição atípica, fora do comum, imprevisível  ou inevitável, consiste em fazê-lo responder por efeito que não se vincula estritamente à sua atuação, pois lhe seria inexigível conduta diversa.

 

Conclusão

O fundamento na responsabilidade civil do médico é a certeza que há de vir na tríplice realidade, consistente no dano sofrido pelo paciente, na conduta ilícita do profissional e no nexo de causalidade.

Para haver o nexo de causalidade, uma determinada conduta deve ser reconhecidamente ilícita (contrária às normas técnicas), e também deve ser a causa direta e inequívoca do dano. A prova técnica do nexo causal se mede em contornos de certeza, pois o Direito brasileiro e a jurisprudência destacam a necessidade de prova inequívoca do nexo causal entre a conduta do agente e o dano.

Tomando-se qualquer das teorias da causalidade, não é razoável considerar o efeito decorrente de uma anormalidade própria do paciente, uma apresentação incomum de uma patologia ou um resultado adverso inerente ao procedimento ou doença como um efeito direto, imediato ou necessário da conduta do agente.

Em não sendo caracterizada uma ilicitude técnica, situações em que impera a aleatoriedade, como ocorre na medicina, as condições específicas de cada caso e sua evolução podem ser imprevisíveis e inevitáveis para o agente, de forma que, logicamente, devem afastar o nexo causal.

Desta forma, em não havendo condutas ilícitas, o médico não pode responder pelas limitações da própria medicina. Se um dano decorre da falibilidade da ciência, da imprevisibilidade e inevitabilidade, ou da inerência da própria doença ou do procedimento, o médico não pode ser imputado por impossibilidade da fixação conclusiva e inequívoca do nexo causal.




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